sexta-feira, 25 de março de 2011
Eça de Queirós ou a Arte da Ironia
Desde cedo que Eça cultivou em si a arte da ironia. A capacidade satírica faz parte dos primórdios da sua literatura. Satirizar era uma subtil forma que José Maria desenvolve, de forma, a poder proteger-se do Mundo em que se inseria. Eça foi abandonado em criança, e assim cultiva a ironia, para que possa satirizar e enfrentar o doloroso dia-a-dia do mundo burguês. Quando os pais se casam, José tinha 4 anos, e é visto como a ovelha negra da família, com uma mãe desconhecida. Eça é então obrigado a estudar para um colégio interno, dirigido por Costa Ramalho. Desprendido do mundo Eça começa então a sua vida literária a ler Almeida Garrett. O romancista português, mostra o lado romântico e piegas do mundo, a que Eça vem a constatar sem falso. Ao viver uma infância terrível, Eça apercebe-se que o mundo não é um mar de rosas. E desta forma começa, o confronto entre Eça de Queirós, escritor realista e o Portugal romântico.
Abominado pela pieguice, Eça não desdenha os valores românticos, apenas os sentimentos. Seres demasiado sentimentais para Eça, em que a pureza de espírito era demasiada, era um mundo perfeito. Não pondo o amor e a amizade como falsos sentimentos, Eça mostra-nos que o romantismo era bonito, mas não era verdade. Nada era feito pelos românticos, encostados a um canto a chorar, Eça luta contra isto e tenta mudar. Os realistas como Eça querem um país democrata, com o poder dos cidadãos. Querem saber por parte da ciência como é o mundo, quer viver fora da ilusão de que o país está bem e contente. Assim, Eça decide mostrar a verdade crua e dura, decide ser realista.
Coimbra, a ancestral cidade universitária. Formado em Coimbra, é aqui que Eça começa a sua vida literária. Eça percebe então que pertencia a uma geração de intelectuais. Esta geração dos anos ’70 do século XIX, a Geração de 70. O grupo composto por Ramalho Ortigão, Guerra Junqueiro, Teófilo Braga, Eça de Queirós, Oliveira Martins, Jaime Batalha Reis e Guilherme de Azevedo. É aqui que Eça começa a satirizar o mundo em que vive, porque estes querem mudar o país. Mas voltando a Coimbra, um dos primeiros ambientes a ser satirizado por Eça na sua literatura. O típico ambiente de Coimbra, do século XIX. A cidade autoritária, que anula a liberdade, a resistência moral. Universidade, que deprime, favorece, representadora do literatismo, aquela que verga a espinha. As badaladas da cabra, por entre o voo dos morcegos, a sua chamada espalhava terror pelo espírito dos alunos. Esta crítica que ironiza Coimbra como uma velha que espalha o terror pelos alunos e lhes tira a liberdade. Começou com esta pequena crítica mas, é sem dúvida renovada ao longo da vida literária de Eça. Citada em “Os Maias”, “O Primo Basílio” e em “O Crime do Padre Amaro”, tem sempre uma crítica renovada. Somos continuamente “bombardeados” por parte de Eça, este fornece-nos perspectivas diferentes, cada uma pelas diferentes personagens e classes sociais.
A cidade universitária é dominada pelas mesmas família à gerações, e temos por parte de Eça a crítica: “ (…) os seus lentes crassos e crúzios, os seus Britos e os seus Neivas, (…). ” Aqui está, os Britos e os Neivas são famílias que fazem parte da universidade à séculos, nunca de lá saíram e não o pretendem fazer. É contra este Portugal de influências e amiguinhos que Eça luta, podemos observar que as altas famílias de “Os Maias” são provenientes de casamentos arranjados e constantemente se traem, como Raquel Cohen e os condes de Gouvarinho. É portanto uma crítica que Eça faz frequentemente, a crítica a Coimbra.
É em 1878 que Eça começa a escrever o seu maior romance, “Os Maias”. Este romance que demorou 10 anos a ser escrito. A obra-prima de Eça é uma completa sátira à sociedade portuguesa do século XIX. Eça aqui ironiza tudo, desde o mais poderoso político ao simples gato de Afonso da Maia, o Reverendo Bonifácio.
Ao contrário das suas anteriores obras, “Os Maias” não é um romance realista dos quais muitos existem. “Os Maias” vão contra o realismo Queirosiano, é antes uma história exótica e fantástica, onde o mundo regue-se por uma linha de acontecimentos muitos improváveis. Desde o Sr. Guimarães conhecer Maria Monforte e ser tio de Dâmaso, altamente improvável, ao Tancredo hospedar-se em casa de Pedro da Maia e apaixonar-se por Maria Monforte, ao longo do livro vários acontecimentos altamente improváveis vão acontecendo. Tudo isto vai contra a ciência realista, que nos diz que isso nunca iria acontecer uma vez que é uma possibilidade ínfima, e matematicamente era praticamente impossível, mas não Eça aqui cria como Garrett uma intriga em que tudo acontece, o mais improvável, o mais horripilante e assombroso. Em “O Crime do Padre Amaro” sabe-se que o Padre apaixona-se, mas era biologicamente atraído por Amélia, e sendo o padre da região era óbvio que seria ele a fazer o seu funeral. Mas nesta sua obra, Eça pode dizer-se romântica na intriga e realista na sátira. Quero dizer, que é uma história romântica, mas fundamentada na realidade do séc. XIX, onde a ironia está presente, ele auto-satiriza-se literariamente com João da Ega, satiriza a sua infância como Carlos da Maia e seus pais e satiriza o mundo com personagens-tipo. Toda esta ironia escondida numa obra dita romântica, não é por acaso que comparativamente aos franceses, originários do Realismo, Eça supera-os. Enquanto estes satirizavam directamente e de forma simplista, Eça é mais subtil, é mais eficaz, é perfeito, é o discípulo que supera os mestres.
Carlos da Maia, esta é a personagem central do romance. Eça pensa que aí se reflecte como homem irónico. É certo que Carlos Eduardo não é alvo de qualquer ironia directa por parte do autor. Isto é devido ao facto de Carlos não estar dentro de nenhum grupo da sociedade que fosse de encontro à crítica de Eça. Com Carlos vemos o mundo como Eça nos quer mostra. Um mundo de ignorância e cópias do estrangeiro. Assim é a forma de Eça ironizar, Carlos, são os olhos da crítica, cada personagem tipo, um alvo. Mas mesmo sendo o protagonista, Carlos não escapa a ser ironizado, o frequente mundo conflituoso de influências e poderes em que vive é uma ironia que Eça faz aos aristocratas. O facto de Carlos ter tudo numa bandeja de prata, de decorar o consultório como quer, tudo isto são ironias de quem muito tem, mas pouco faz. Eça mostra a sua juventude em Carlos. Uma criança abandona pelos pais, com uma educação de excelência ao viajar pela Europa Carlos e Eça aprendem e tornam-se seres cultos. Carlos não é mais que um ser intelectual que acaba no grupo dos Vencidos da Vida.
Em Afonso Eça retrata-se como um ser liberal, e defensor dos bons costumes. Como cônsul em Inglaterra, Eça apercebe-se que Portugal é um país fraco e carácter. Defensor da educação inglesa, e da capacidade de pensar, Eça mostra o seu carácter em Afonso. Afonso da Maia é sem dúvida a única personagem que escapa à crítica queirosiana, sem defeitos ou lacunas, Afonso é um homem forte e bondoso, tal com Eça que defendia a autenticidade, e não as cópias do estrangeiro que tanto Portugal fazia.
Por fim, João da Ega é o ser literário de Eça. A cópia física de Eça, um vidro entalado no olho, tinha nariz adunco, pescoço esganiçado, punhos tísicos, pernas de cegonha, tal e qual Eça. Um ser controverso, ora romântico e sentimental, ora realista e liberal. Ser boémio e culto, que facilmente se dava por vencido e no fim, um completo falhado e derrotado do mundo. Um ser com tantas ideias e esperanças, que acaba a desistir de tudo por uma vida pacata às custas do dinheiro da família. E foi assim que Eça se auto-satirizou como um ser vencido e falhado, que nada fez sem ser beber e queixar-se. Um vencido era a sua própria visão.
Coimbra, com Carlos da Maia, volta a ser alvo de outra ironia. Desta vez, uma ironia pelos olhos da alta sociedade. Uma ironia diferente das presentes em “O Crime do Padre Amaro” ou “O Primo Basílio”. A sátira é vista pelos olhos da alta sociedade aristocrática, pelos meninos bonitos do berço de ouro. A crítica que vou citar:
“Desde a sua entrada na Universidade, renovara as tradições da antiga boémia: trazia os rasgões da batina cosidos a linha branca; embebedava-se com carrascão; à noite, na Ponte, com o braço erguido, atirava injúrias a Deus. E no fundo muito sentimental, enleado sempre em amores por meninas de quinze anos, filhas de empregados, com quem às vezes ia passar a soirée, levando-lhes cartuchinhos de doce. A sua fama de fidalgote rico tornava-o apetecido nas famílias. Carlos escarnecia estes idílios futricas; mas também ele terminou por se enredar num episódio romântico com a mulher de um empregado do Governo Civil, uma lisboetazinha, que o seduziu pela graça de um corpo de boneca e por uns lindos olhos verdes. A ela o que a fanatizara fora o luxo, o groom, a égua inglesa de Carlos.
Trocaram-se cartas; e ele viveu semanas banhado na poesia áspera e tumultuosa do primeiro amor adúltero. Infelizmente a rapariga tinha o nome bárbaro de Hermengarda; e os amigos de Carlos, descoberto o segredo, chamavam-lhe já Eurico, o Presbítero, dirigiam para Celas missivas pelo correio com este nome odioso.”
Aqui vemos Carlos com uma vida de paz, ao contrário da maioria dos alunos que tem de lutar pelas notas, Carlos é privilegiado por pertencer à família Maia. Carlos apenas vive, bebe, festeja, namora, passeia, convive, mas o estudo não faz parte dele. Todas as raparigas queriam conhecer Carlos, e Carlos vivia o luxo de ser famoso e namorava-as. Como herdeiro da fortuna Maia, Carlos vive bem e não se preocupa. A escola é uma mera formalidade na terra podre de influências.
É sem dúvida nas personagens tipo que Eça cria a sua maior crítica à sociedade. Cada uma delas, um mundo, um defeito a precisar de ser corrigido. As personagens tipo brilhantemente criadas, levam-nos a ver pelos olhos de Eça e da Geração de ’70 como a sociedade é corrupta e incompetente. Nada faz que não seja copiado, a autenticidade perdeu-se, apenas podemos dizer que Eça é autêntico num mundo de cópias estrangeiras.
O escritor não é apenas um outro realista, ele é o melhor. Pratica o objectivo de mostrar a verdade do mundo, tal e qual como é, vimos na sua elevada e detalhada descrição. Esta descrição não só mostra-nos que Eça era realista, e vi-a o mundo tal e qual como era, como um pouco da sua ironia. Ora vejamos que o jardim do Ramalhete é alvo de uma pesada e cansativa descrição, cada detalhe com um objectivo, o de dar significado ao jardim. Nesse jardim, onde Afonso se mostra mais alegre, mais feliz e carinhoso, é onde tristemente morre. A subtil ironia de que somos espectadores é brilhante, até nos locais mais simples e bonitos acontecem tragédias.
Por entre mais personagens-tipo Eça ironiza a sociedade portuguesa. Como conclusão, vejamos que Eça desde cedo usa a ironia para se proteger da classe burguesa. Ao fazer parte da Geração de ’70, ele apercebe-se que pertence a um grupo de intelectuais que vai mudar a cultura portuguesa. Como homem da literatura, Eça muda o país através dos seus livros. A obra-prima, “Os Maias” é sem dúvida o que mais satiriza a sociedade. Coimbra é alvo frequente da sua ironia. Cada personagem-tipo é uma crítica, no seu conjunto representam a sociedade portuguesa. As capacidades críticas são notórias, construi críticas brilhantes do ponto de vista irónico e literário, um perfeito exemplo de qualidade literária. No seu conjunto, as ironias sociais estão ainda presentes hoje em dia, e podem levar-nos a mudar e nunca esqueçamos que a rir se mudam os costumes. José Maria Eça de Queirós foi um mestre da ironia e mostrar ao mundo a sociedade em que se inseria. No final não acaba como Carlos, não foi um Vencido da Vida, foi antes um Vencedor.
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O seu texto podia estar melhor, não fossem alguns pequenos deslizes com a pontuação, em especial na abertura dos parágrafos.
ResponderEliminarMas sugeria-lhe que relesse o artigo original. Vai descobrir alguns tópicos que não abordou no seu texto...
É pena!